da CP e da TAP
Uma decisão patriótica.<br>Uma Conquista de Abril!
A 16 de Abril cumpriram-se 40 anos do Decreto-Lei 205-B/75 do IV Governo Provisório que viria a nacionalizar, entre outras empresas, a TAP e a CP. Uma data que precisa de ser assinalada, seja pelo que representou à época, constituindo no quadro das nacionalizações operadas pela Revolução aquilo a que justamente chamamos de Conquistas de Abril, seja pelas ameaças actuais que pesam hoje sobre estas duas empresas: privatização e destruição das mesmas.
As nacionalizações não foram um acto súbito mas sim decorrências das próprias exigências do processo revolucionário
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A decisão da nacionalização da TAP e da CP é uma das datas históricas, e há muitas, da revolução portuguesa. O início das nacionalizações havia começado pouco antes, a 14 de Março de 1975, com a decisão da nacionalização da banca e prolongou-se por mais alguns meses, num movimento muito amplo e profundo que conduziu ao desmantelamento dos grupos monopolistas que constituíram a base social de apoio ao fascismo (Mello, Champalimaud, Espírito Santo e outros) e à liquidação em Portugal do capitalismo monopolista de Estado. Uma decisão que, mesmo à luz do contexto europeu e internacional da época, assumia contornos de uma enorme audácia e firmeza, em plena Europa Ocidental assistindo-se a nacionalizações revolucionárias em confronto com a natureza, a lógica de funcionamento e o poder do sistema capitalista.
Durante o fascismo, o sector dos transportes – aéreo, ferroviário, marítimo, rodoviário – estruturante e estratégico para os interesses nacionais, não fugia à regra do domínio, parcial ou total, por parte dos monopólios nacionais associados ao grande capital estrangeiro. A CP é uma empresa que chega ao 25 de Abril como herdeira de um percurso que tinha sido iniciado ainda em meados do século XIX com o arranque da construção do caminho de ferro em Portugal e que foi sendo sempre marcado por um forte investimento público e a participação dos interesses privados na exploração e lucros das várias empresas a quem foram sendo entregues chorudos subsídios do Estado à actividade das mesmas. A TAP, mais recente, foi criada nos anos 40 em pleno período fascista com capitais públicos e a participação de gente ligada a sectores provenientes da Força Aérea. Embora dominantemente nas mãos do Estado, em 1945 já tinha na sua administração gente da família Mello (Manuel de Mello) e que permaneceria até ao 25 de Abril.
Sem retirar importância às decisões do Conselho da Revolução ou dos Governos Provisórios de então, importa sublinhar que as nacionalizações não foram um acto súbito mas sim decorrências das próprias exigências do processo revolucionário. Um processo marcado por uma aguda luta de classes que a dialéctica da intervenção das massas, mas também do golpismo reaccionário, acelerava e aprofundava. Enfrentando vários golpes – Palma Carlos (Julho de 1974), 28 de Setembro da «maioria silenciosa» – é com a derrota do chamado 11 de Março – que acabou por conduzir ao resultado oposto ao pretendido pelos conspiradores fascistas – que se dá um passo em frente no processo democrático. Já não eram apenas as transformações no plano político, mas a necessidade de alterar os alicerces económicos do sistema, conferindo à revolução portuguesa o conteúdo de uma revolução social muito profunda, tendo o socialismo como objectivo. O avanço das nacionalizações dá-se porque havia não só que defender as próprias liberdade democráticas golpeando a base económica dos seus principais inimigos, mas também para responder às exigências dos trabalhadores em luta contra a sabotagem económica e a defesa dos seus direitos laborais e dos seus postos de trabalho. Um processo que contou com uma ampla participação dos trabalhadores, que souberam responder a todo o tipo de provocações (incluindo as dos sectores esquerdistas) imprimindo uma fortíssima pressão a partir da base que impulsionou as decisões políticas de um governo que, como é sabido, nunca chegou a ter uma natureza verdadeiramente revolucionária.
A nacionalização da TAP e da CP inseriu-se nesse processo mais vasto, tendo sido determinante não só para o desenvolvimento do sector dos transportes, mas também para a consolidação de um forte Sector Empresarial do Estado, base fundamental para o desenvolvimento económico e social do nosso País.
O processo contra-revolucionário, a política de direita
e as limitações impostas à TAP e à CP
Com o início do processo contra-revolucionário, e a consequente recuperação monopolista e latifundista, interrompeu-se o esboço de construção de relações de produção mais avançadas. Apesar do crescimento e natural modernização de ambas as empresas ao longo destes 39 anos que levamos de política de direita, o objectivo da sua entrega novamente ao grande capital não só não desapareceu, como norteou em larga medida muitas das decisões dos sucessivos governos e conselhos de administração por estes nomeados.
A TAP pública cresceu ao longo deste período, multiplicou por dez o número de passageiros transportados, renovou a frota, aumentou em termos gerais o número de trabalhadores (mais de 12 mil directos e mais de 10 mil indirectos) reorientou-se do ponto de vista estratégico com novas rotas num sector fortemente dominado pelos monopólios à escala internacional. Do ponto de vista económico transformou-se no maior exportador nacional, com mais de dois mil milhões de vendas ao exterior, fazendo entrar por ano na Segurança Social quase 100 milhões de euros e quase outro tanto para o Orçamento do Estado via IRS. Sobreviveu entretanto a decisões contrárias aos interesses da empresa, mas também aos interesses nacionais, como o da manutenção no Brasil (ex-VEM), o frete ao Grupo Espírito Santo, adquirindo a preço de ouro a falida Portugália, bem como a duas tentativas de privatização: em 2001 falhou o negócio com a Swissair (que entretanto faliu) e em 2012 impediu-se a aventura da sua entrega a Efromovich. Para além disso, a TAP há já mais de uma década que não recebe um euro de recursos públicos (empurrando-a para o crescente endividamento), numa acção conjugada entre o Governo e a União Europeia favorável à liquidação das companhias públicas de bandeira, ao contrário daquilo que aliás acontece com as chamadas companhias de baixo custo a quem o governo português entrega milhões de euros por ano. Simultâneamente a TAP tem sobrevivido à recente decisão de privatização da ANA, Aeroportos da qual é a principal cliente, tendo no entanto ficado ainda mais condicionada face a este novo cenário. Podemos afirmar que se por um lado o carácter público da TAP impediu a sua destruição e proporcionou o seu desenvolvimento em muitos dos aspectos já referenciados, também não é menos verdade que a política de direita imposta ao povo português limitou e boicotou a sua plena afirmação enquanto instrumento ao serviço do desenvolvimento do País.
A TAP, uma empresa que prestigia o País, âncora para o sector do turismo, fundamental para garantir a unidade e mobilidade em todo o território nacional, essencial na ligação às comunidades portuguesas no estrangeiro, garantia de capacidade de investigação, manutenção e desenvolvimento técnico no sector da aviação civil, referência em todo o espaço lusófono, é um factor de soberania nacional, um património do povo português cuja privatização constituiria um crime se viesse a ser consumada, tal como uma suposta reestruturação que visasse a sua brutal contração. A TAP hoje precisa e pode ser capitalizada por via dos recursos públicos, não só porque nada pode impedir essa decisão soberana do Estado português (ao contrário daquilo que tem sido afirmado por parte do Governo), mas também porque existem recursos bastantes para tal; bastaria para o caso que parte do que foi pago à banca pelos famigerados swap das empresas públicas de transportes − num ano, mais de mil milhões de euros − para que as necessidades de capital da TAP fossem satisfeitas. Bastaria uma gestão pública vinculada aos interesses nacionais conforme propôs recentemente o PCP num Projecto de Resolução na Assembleia da República, com medidas para defender e melhorar o funcionamento e operacionalidade da TAP.
A CP
A CP, embora sujeita à mesma política de direita, teve no entanto um percurso diferente daquele que teve a TAP. Numa linha de continuidade, a política dos sucessivos governos do PSD/CDS-PP e do PS tem assentado na segmentação/desmembramento de empresas, na diminuição da oferta de transporte, na entrega de serviços a terceiros, visando a privatização de empresas ou parte delas, retirando da cadeia de valor da produção de transporte as componentes mais rentáveis para as entregar aos interesses privados. Os sucessivos governos têm concretizado uma política manifestamente antissocial, assente no aumento da exploração dos trabalhadores, no aumento das tarifas e na redução do serviço público prestado às populações. A ofensiva privatizadora é também aqui um elemento nuclear das opções tomadas suportadas em campanhas mistificadoras, sejam montadas, como inicialmente, com base nas imposições da União Europeia e nas virtudes da concorrência e da liberalização do sector, sejam as mais recentes, baseadas na invocação da dívida quando na realidade se trata de uma dívida histórica do Estado para com as empresas públicas, laboriosamente construída através de anos de desorçamentação, subfinanciamento e desorganização da empresa.
Como já foi dito, o desmembramento constitui a opção estratégica fundamental para limitar o desenvolvimento do sector ferroviário e colocá-lo ao serviço dos interesses dos monopólios. Se é verdade que numa fase inicial foram retirados à empresa serviços como a reparação e manutenção do material circulante e barcos, o transporte fluvial entre o Terreiro do Paço e o Barreiro e outros, é com a criação da REFER que o desmembramento assume maiores proporções, «partindo» a empresa ao meio, retirando-lhe áreas vitais para o seu funcionamento como sistema de transportes – a infraestrutura e o controlo de circulação. Com esta política de destruição, a rede ferroviária nacional passou dos 3616 Km, para os actuais 2839 Km, o número de trabalhadores ferroviários diminuiu de 27 000 em 1976 (na CP) para cerca de 6000 em 2014 (nas quatro empresas públicas) e o número de passageiros transportados encontra-se há vários anos em queda. Assim, da CP surgiram cerca de duas dezenas de novas entidades, a maioria já liquidadas, vendidas ou em processo de venda. Por sua vez, o valor das indemnizações compensatórias pagas pelo Estado à empresa têm vindo a ser reduzido progressivamente (102 milhões de euros em 1996 até aos 77 milhões de euros em 2013) e o objectivo claro é o da sua eliminação. Voltando à dívida do conjunto das empresas, que é também uma dívida histórica em função do elevado valor de investimento necessário neste sector, ultrapassa já os 10 mil milhões de euros e o seu crescimento – incluindo o que decorre da dinâmica especulativa do serviço da dívida ou de contratos tipo swap – é na realidade inseparável do incumprimento por parte do Estado das suas obrigações. Uma situação que está propositadamente a estrangular financeiramente a empresa e a contribuir para o seu definhamento.
Entretanto, em 2014, o Governo PSD/CDS-PP desencadeou um processo de fusão entre a EP/Estradas de Portugal e a REFER, entre o gestor das infra-estruturas rodoviárias e o gestor das infra-estruturas ferroviárias. Uma decisão com um impacto que está ainda longe de ser avaliado em toda a sua extensão, mas que não deixará de ter como objectivo a sua entrega ao grande capital.
No imediato está em curso o processo de privatização da CP Carga (transporte de mercadorias) e da EMEF (manutenção do equipamento ferroviário). As ameaças que hoje pendem sobre o sector, tal como aliás na TAP, são inseparáveis de uma estratégia por parte do grande capital (lubrificada pelas imposições da UE e submissão dos sucessivos governos) da sua captura (sobretudo das componentes mais rentáveis) por parte dos grupos económicos das grandes potenciais, em particular da Alemanha e da França, que não escondem o objectivo do controlo do sector ferroviário à escala Europeia.
Sublinhar ainda que, em ambos os casos – sector aéreo e sector ferroviário – foram os trabalhadores destas empresas aqueles que de forma mais viva sofreram na pele a ofensiva que foi sendo construída designadamente por via da perda de direitos, cortes nas remunerações, aumento da precariedade, exploração e empobrecimento.
Travar a política de privatização e destruição da TAP
e dos caminhos de ferro
Há muito que o PCP se bate por um sistema de transportes que responda às necessidades de mobilidade das populações, do transporte de mercadorias e de dinamização da actividade económica ao serviço do povo e do País, onde a TAP, a CP e o conjunto das restantes empresas do sector ferroviário, assumem um papel central.
Apesar da eminente derrota do Governo PSD/CDS nas próximas eleições legislativas a situação actual não é menos perigosa daquela que se verificou nos últimos anos: seja porque o Governo procura cumprir a sua missão histórica ao serviço do grande capital acelerando a todos os níveis a sua ofensiva tentando impor a política de factos consumados como se pode verificar pela enorme manobra que está em curso em torno da TAP, desestabilizando a empresa e forçando a sua privatização; seja porque da parte do PS não há em termos de substância nenhuma diferença quanto ao objectivo de privatização e destruição destas empresas, quanto muito, ligeiras matizes no ritmo e intensidade desse processo.
Na linha de frente contra a política de privatizações e destruição das empresas públicas de transportes – onde se inclui também a CARRIS, o Metro, os STCP, etc. – têm estado com grande firmeza, coragem e determinação os trabalhadores destas empresas. A seu lado têm também intervido não só as populações, defendendo o seu direito à mobilidade, mas também muitos democratas e patriotas que não aceitam este rumo de desastre nacional. Para o PCP, estas empresas – TAP e CP – e estes sectores – transporte aéreo e ferroviário – não só têm futuro, como o seu carácter público é indispensável para uma política patriótica e de esquerda que responda aos problemas do povo e do País. Na sua actuação o Partido não só tem estado presente e animado a luta dos trabalhadores e das populações, como tem sido o principal protagonista na apresentação de soluções, de uma política alternativa para o sector dos transportes, como aliás pode ser testemunhado nas muitas propostas apresentadas sobre esta matéria, incluindo na Assembleia da República.
E fazemo-lo também com a convicção de quem tem inscrito no seu Programa, no Programa do Partido «Uma Democracia avançada no limiar do século XXI – os valores de Abril no futuro de Portugal», o objectivo de um «desenvolvimento económico assente numa economia mista, moderna, dinâmica ao serviço do povo e do País», com um sector empresarial do Estado «abrangendo designadamente a banca, os seguros e outros sectores básicos e estratégicos da economia». O facto de a situação nacional ter evoluído em sentido contrário com o aprofundamento da política de direita contra o sector público e empresarial do Estado, não invalida este objectivo programático fundamental do PCP. É por isso particularmente oportuno assinalar o 40.º aniversário das nacionalizações revolucionárias, incluindo da TAP e da CP, reflectir sobre as graves consequências do processo de privatizações que continua a arruinar o País e apontar o caminho da luta por uma ruptura com a política de desastre nacional que abra as portas a uma outra política, patriótica e de esquerda, que assegure e desenvolva as conquistas e valores de Abril.